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Cultivo de uvas orgânicas tem tratamentos inusitados
Leite azedo e chifres de vaca enterrados no quintal são usados como poções para nutrir parreiras
Além de gerar frutos mais saudáveis, o cultivo de uvas orgânicas reserva particularidades e surpresas que, a distância, aproximam o processo produtivo da magia. De leite azedo ou folhas de figo da índia a chifres de vaca enterrados no quintal, usados como se fossem poções para nutrir as parreiras, produtores que optaram propriedades livres de agrotóxicos experimentam uma nova maneira de lidar com a terra e, até, com o céu.

Os astros, assim como o trabalho duro, têm papel de destaque numa propriedade do interior de Farroupilha, na Linha 47. As mulheres que tocam o negócio adotaram um jeito de produzir baseado no que chamam de herbicida zero e, aos poucos, foram eliminando agrotóxicos dos parreirais. A agricultora Solice Beatriz Moroni, 53 anos, conscientizou-se sobre os prejuízos causados pelo uso de "venenos" depois que o irmão — que tocava a propriedade — morreu. Segundo ela, os médicos sugeriram que a leucemia foi provocada pelo contato com os agrotóxicos. Mudar a forma de produzir, então, tornou-se também uma maneira de preservar a vida.

Solice integra um projeto-piloto de agricultura biodinâmica com outras cinco famílias da região. Ele faz parte do programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para a viticultura, desenvolvido pelo Ibravin, Fecovinho e Centro Ecológico de Ipê desde 2008, que contempla 600 famílias (direta ou indiretamente). O coordenador técnico do programa e coordenador do Centro Ecológico, Leandro Venturin, explica que a finalidade deste trabalho é incentivar a produção orgânica da uva e a redução do uso de agrotóxicos.

— Atuamos por fases de avanços. A etapa seguinte à orgânica é a biodinâmica, que tem conceitos mais amplos e usa as energias do universo por meio de princípios astronômicos — explica Venturin.

Há dois anos, Solice adotou a agricultura biodinâmica como modelo. Um dos preparados utilizado por elas é o chifre esterco que, como o nome sugere, é preenchido de esterco e enterrado no outono, para ser desenterrado na primavera.

Outro, chamado fladen, leva esterco, pó de rocha (com quartzo moído vagarosamente em um pilão) e casca de ovo moída. Depois de pronto, o material é diluído em água, que deve ser energizada — mexida vigorosamente em sentido horário e anti-horário por uma hora. Duas gotas grossas são jogadas no chão, para energizar as raízes. Há, também, o uso de chá de cavalinha.

— Depois que a gente começa, não quer mais parar — conta a entusiasmada agricultora, que toca a propriedade ao lado da cunhada viúva Clarice Luiza Bonett Moroni, 41, e da mãe, Maria Genny Savoldi Moroni, 79.

No ano passado, Solice decidiu dividir o parreiral para observar as diferenças no cultivo da uva. As orgânicas apareceram com folhas mais reforçadas, cor mais verde e melhor cobertura. Venturin percebe que, na segunda safra da uva Isabel comum, colhida recentemente, ela conseguiu melhores resultados do que na primeira, mesmo em um ano com perdas acima da média. Além de mais saudável, há economia de dinheiro com uso de fertilizantes químicos e herbicidas.

— Isso pode até parecer místico e distante, mas os melhores vinhos do mundo, como Romanée-Conti e Château Petrus, são biodinâmicos, porque esse cultivo torna as características de solo e clima extremamente acentuadas — explica.

Para Solice, a prática adquire um quê de misticismo, uma vez que os insumos são produzidos em mutirões, durante oficinas do projeto, em dias certos para ocorrerem — de acordo com o calendário biodinâmico. Da última vez, o grupo fez e enterrou 29 chifres-sílica.

— É a energia do grupo colocando um pouco de si para fazer acontecer. E a mulher gera a vida, tem energia maior. E não temos medo de experimentar — avalia Solice.

Venturin ressalta que há um empoderamento do conhecimento ancestral dos agricultores, embora a aceitação se dê em velocidades diferentes.

— É como se um usuário de medicação tradicional passasse a usar apenas homeopatia — completa.
Homeopatia na terra

A comparação feita por Leandro Venturin faz todo o sentido numa área de 6 hectares situada na localidade de Nossa Senhora da Rocca, em São Virgílio da 6ª Légua, em Caxias. Quando adquiriu a propriedade como forma de lazer, há sete anos, o empresário Vilson Valentim Pigato, 48 anos, estava fazendo um tratamento homeopático para resolver um problema de saúde. No contato com o médico, comentou sobre a aquisição das terras e foi surpreendido com a informação de que poderia levar os mesmos princípios para a agricultura.

A homeopatia prega que a doença é consequência do desequilíbrio vital do organismo e, por isso, não há doenças e sim doentes. O princípio fornece elementos, também, para o tratamento das plantas, do solo, da água e dos animais. Pigato resolveu procurar informações e adotou a homeopatia também para tratar das plantas e dos animais — as uvas bordô, inclusive. Desta forma, aboliu venenos e resíduos tóxicos na plantação e criação — hoje vende o que produz nas feiras dos agricultores e orgânicas.

— Foi uma conversão drástica, sem aplicação de química e com resultado positivo — explica.

A mudança de cultura é a parte mais complicada ao se adotar a técnica. A aplicação, em si, é bem simples: ele encomenda glóbulos (que parecem bolinhas de sagu), dissolve-os na água — 10 para 1 litro — e pulveriza essa mistura nos parreirais, quando as folhas já nasceram.

— É energia pura — sentencia.

Não pode haver contato deles com as mãos, nem o uso ou a presença de equipamentos eletrônicos como celular ou computador por perto, porque podem alterar a frequência. As bolinhas contêm sete minerais, numa formulação secreta, que compra de um laboratório no Rio de Janeiro. Para os dois hectares de parreiras, utiliza 60 litros de água.

— Sempre pós colheita e pós brotação, antes da floração. Basta que um pinguinho caia em umas duas folhas da videira — relata.

O tratamento, segundo ele, ainda não é reconhecido pelo Ministério da Agricultura, mas isso não importa, porque percebe que aumenta os mecanismos de resistência das plantas. Pigato diz perceber os resultados, gastando menos de 10% do que precisaria investir se usasse insumos — de R$ 200 por hectare contra R$ 3 mil a R$ 5 mil.

— Tenho um vizinho que diz usar água benta para molhar a terra e isso é suficiente para garantir a safra. A pessoa tem que acreditar. Depois que comecei a me tratar com homeopatia, mudou tudo, fiquei mais apto à vida — destaca.

O estranhamento frente aos processos usados por Solice ou Pigato não se dá por acaso. O universo do cultivo de orgânicos ainda é pequeno na Serra: apenas 3% dos cerca de 13 mil produtores de uva da região são certificados, segundo dados do Centro Ecológico e da Emater.
Criam vacas para tratar as uvas

As duas vacas leiteiras que pastam na Quarta Légua, nas terras montanhosas da comunidade de Mirambel, na propriedade de Genésio Dalcorno, 71 anos, e Lourdes Uez Dalcorno, 64, alternam o fornecimento de leite para a fabricação de queijo, consumo da família e tratamento dos parreiras. Sim, parte das uvas cultivadas pela família são tratadas com leite, um antídoto contra as pragas da plantação em 2,5 hectares.

— Tiro o leite da vaca, deixo fora da geladeira para azedar e o Genésio aplica — diz Lourdes.

Desde que optaram por transformar a produção convencional em orgânica, em 2008, passaram a lidar com fórmulas que até então eram desconhecidas. A primeira colheita veio dois anos depois.

— Sabe por que a gente fez isso (produção orgânica)? Porque não tenho pressa de morrer! — sentencia o viticultor.

O período de transição entre as duas culturas é de 18 meses, para que haja a desintoxicação da planta e do solo. A partir da segunda safra, Dalcorno recebeu o certificado de uva orgânica para as variedades Bordô, Isabel precoce e Cora, documento que guarda em uma pasta, juntamente com as indicações de tratamentos. O trabalho no preparo dos insumos aumentou, mas muitos ingredientes usados eram comuns na casa deles.

A cinza do fogão a lenha é aplicada para combater a atraquinose (varola), já o leite e o açúcar mascavo são estimuladores do crescimento. Na propriedade, também são preparados biofertilizantes, usando leite, açúcar, esterco de vaca e cinzas de fogão, mistura que deve ser fermentada. O açúcar protege os brotos, para grudá-los na parreira. Depois da floração, aplica-se uma mistura feita com folhas fatiadas do figo da índia — que começou a ser cultivado no jardim com essa finalidade — numa proporção de 1 quilo da planta para 10 litros de água, que ficam de molho por um dia.

— Chamam a gente de louco! — brinca Lourdes.

— Tem que ajudar a parreira, não só colher o que ela dá — afirma Dalcorno.

Esses rituais variam conforme o tipo da uva. O agrônomo Paulo Roberto Dulhos explica que a Isabel necessita de 12 tratamentos, já a bordô, de oito. Outro aspecto desse cultivo é o preparo do solo de forma natural, ao que chamam de adubação verde. Sob a parreira, são plantadas sementes de aveia, centeio, ervilhaca e nabo forrageiro.

— São sementes de inverno, para o solo não ficar descoberto. É o mesmo que espalhar ureia, o nabo compacta o solo, sem que seja preciso remover a terra — explica Dulhos.

Segundo ele, o crescimento dessas plantas embaixo dos parreirais mexe com a cultura dos agricultores.

— É uma quebra de paradigma, porque há a ideia de que parreirais bem cuidados são roçados, não existe mato embaixo deles. Aqui, é justamente o contrário — ressalta.

Além da produção mais saudável, existem compensações financeiras e afetivas. No primeiro quesito, as frutas podem render até 60% a mais para os produtores, como compensação pela qualidade e pelo risco do cultivo sem agrotóxicos. No segundo, aparece a lembrança da infância.

— O gosto da uva muda, parece o de antigamente. Quando dá uma chuvinha, a gente sente o perfume da uva de longe — diz ele, saudoso e faceiro.

FONTE: Jornal Pioneiro. Tríssia Ordovás Sartori (trissia.ordovas@pioneiro.com) - 20/02/2016.
Fotos: Roni Rigon / Agencia RBS.
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